sexta-feira, 30 de março de 2012

Serra da Capivara, Piauí

Lá dentro daquele mundo misterioso, daquele anel de serras repousa a lendária caatinga mesclada a refrescantes entornos de mata atlântica…Serra da Capivara, em S. Raimundo Nonato, no Piauí. Na entrada um bando de caetitu nos mostrava a forma hierarquizada de viver, pássaros exóticos cantavam e a gralha ecoava seu canto. Antes havíamos passado por uma caverna e o ventre da Mãe Terra se mostrava pleno das raízes indomáveis da gameleira que em busca de água não vê impedimentos, fura pedras, rasga a terra e segue em busca do líquido precioso da vida, só sossega quando repousa seus pés seguros na meta que almeja. Depois passamos pelo umbuzeiro, que também descobre a água e a armazena em suas raízes, "ele é capaz de armazenar 2000 litros de água" nos disse o guia Rafael com segurança e conhecimento de causa. Meditei ali sentada nas pedras pontiagudas, procurei sentir e beber da sabedoria do local, orei por mim, orei por nós, seres que povoam a terra e pude escutar o silencio da Deusa que repousava.Dali seguimos para o Parque da Serra da Capivara. Depois que fomos recebidos no local, adentramos os caminhos bem cuidados do parque e pouco a pouco as riquezas iam sendo reveladas. Paisagem estonteante de beleza e de mistérios! e o maior de todos pra mim era ver que os primeiros humanos aqui chegados, em nosso Brasil datavam de 100.000 anos! Na verdade aquele conhecimento que os primeiros humanos aqui chegados vinham pelo estreito de Bering e vieram da Sibéria, era tudo falácia. Eles vieram da África e vieram em busca de melhores condições de vida, aqui era um verdadeiro paraíso, com uma fauna e flora exuberantes. Haviam mamutes, lhamas, pássaros enormes, animais gigantes…e o mais belo de tudo era ver as inscrições rupestres gravadas nas paredes das monumentais pedras, cenas de caça, de sexo, de ritos, de dança, de luta…tudo ali gravado pra nos fazer recordar de um povo que amava a natureza e celebrava a vida.

Nordeste, nordestina

Viajando até o Piauí e vendo as paisagens nordestinas, o sangue correndo pulsando em minhas veias me lembrava minha origem alagoana. O xique xique, mandacaru, umburana, angico,umbu cajá mostravam sua força e beleza. E eu sentia e via que para ali estar plantado precisava ter fé e muita coragem. Enfrentar o calor escaldante, ver os rios secarem, ver a água passar lá encima no céu nublado, mas não cair. Só sendo simples no trato e poeta que vê a beleza em cada recanto da Mãe Terra, no solo temperado do barro vermelho. Caminhamos, eu e meu companheiro, nos recantos de Juazeiro, Petrolina, Remanso, S. Raimundo Nonato, Oeiras até chegar a Teresina. Por entre estas paragens fomos encontrando pessoas lindas, com um sorriso no rosto e um gosto de bom dia na face. E dentre essas pessoas, conhecemos um homem, Sr. Abel, que produz cajuina, uma deliciosa bebida local, que as grandes empresas ainda não usurparam. E ele começou a contar um pouco de sua história, do nome da cajuina Zé do Cícero," …nome de meu pai, foi ele que plantou todos esses cajus por aqui, o povo dizia que ela era doido, que ali não dava caju. Eu fiquei com ele, todos meus irmãos foram embora e depois eu aprendi a fazer essa bebida e hoje criei meus filhos tudo com esse ganho. Meus filhos estão tudo na universidade. Sinto pelo meu pai não ter visto nada disso, ele que começou tudo, aí botei o nome em homenagem a ele." Nesse momento uma pausa, o olho vermelho, e aí me dei conta que eu estava chorando e ele também. Era uma alegria que brotava de dentro de mim, ver um nordestino com sua terrinha, sendo livre, podendo viver daquilo que plantava, sem dever nada a ninguém. Olhei pra terra que mesmo seca cuidava dos filhos por ela abençoados e pude sentir paz e gratidão. "Vamo lá em casa gente, tomar cajuina" ele e a mulher nos convidaram. E  seguimos com eles pra sentar na porta e refrescar o corpo com a saborosa bebida.Doces memórias me chegavam naquele momento de meu pai, quando vivo, agricultor e de minha mãe, viva ainda, cuidadora da casa e dos filhos.